Para Enzo D. A.
Acabado de se mudar para a cidadezinha do interior de Minas, Afonso arrumava suas coisas, quando ouviu tocar a campainha. À porta, uma garota de dezesseis anos, saia rodada curta, meias longas e rabinho de cavalo disse, quando abriu:
— Bom dia, moço! Queres comer meu cookie?
— E quem não o quer? — respondeu-lhe o jovem, surpreso. — Se bem que poderíamos começar com algo mais brando.
— Meu cookie já é bem gostoso e macio. E eu não teria outra coisa agora para oferecer-te.
— És uma boa garota, logo vejo. Ademais, comer cookie é bom.
— Então vais querer?! — perguntou alegre a menina, quase saltitante. O rabinho de cavalo balançou.
— A quanto o vendes tu?
— A dez reais o pacote.
— Ora, digo que está barato o teu cookie. Pois, se é realmente teu, tão branco e lindo, e vejo daqui que cheiroso também, bem poderias cobrar mais caro nele. Não obstante, aqui estão teus dez. Vou comê-lo agora, antes que fique velho e murcho. Não me queres acompanhar, embora em má ordem a casa?
— Bem que eu queria, moço, mas ainda tenho alguns pacotes para vender.
— Fica para a próxima então. Até mais!
— Muito obrigada! Até!
Foi-se embora a menina e entrou em casa Afonso, que com o cookie na mão já o queria à boca levar, tão apetitoso parecia.
Outras vezes voltou a menina à casa dele, que lhe comprou os biscoitos e comeu, e na quarta ou quinta vez que lá foi, ele novamente a convidou a entrar, e como já tinha a mor parte vendido dos cookies, e sendo pequena a cidadezinha e confiado o povo, não viu Larissa mal em entrar na casa de Afonso e com ele palestrar e comer. Nem havia de fato maldade, nem perigo, nisto, pois era mui reto o mancebo e mui discreta a moça.
Larissa mostrou-lhe a cidade, onde nascera e tudo conhecia, e viu ele o quanto todos ali a estimavam e tinham por bem criada e valorosa donzela. Ninguém lhe punha defeito, antes eram todos concordes em que à gentileza se somava a formosura. E invejaram-no alguns.
Com o tempo e a frequentação, enamoraram-se, e iam já em planos de casar. Só uma coisa havia em que não ia ela ao gosto do mancebo, e era na incultura, que rapaz era diplomado e culto, e cheio de “com efeitos”, “não obstantes” e “outrossins”, e outros estranhos termos. Durante um tempo sofreu ouvir de Larissa alguns “mim fazer” e outros “naonde que”, mas isto foi desgostando-o por tal modo que começou de corrigir a garota, posto que sabendo-se indelicado, e esta já tanto o amava que nem tanta rudeza a afastou. Antes, por conta e iniciativa própria, pôs-se a corrigir-se a si mesma, e trocar os “rúim” por “ruim”, e os “mim fazer” por “eu fazer”, e casos que tais. Orgulhou-se Afonso da aluna, mas certo dia falou-lhe de Tom Jobim, e soube que ela não o conhecia.
— Chegaste à Terra recentemente? — perguntou-lhe ele. E desgostou-se profundamente. — Como sabes o nome de uma caterva de músicos de malíssimo gosto, se é que podem chamar-se músicos, e não sabes quem foi Tom Jobim? Isto é o básico de saber a quem nasceu ou vive no Brasil. Já do mundo há coisas que todo ser humano vivo e civilizado deve conhecer: quem foi Alexandre, quem foi Napoleão, quem foram os Beatles.
— Beatles? — perguntou Larissa.
— Nunca ouviste falar nos Beatles?
— Não.
Soou isto a Afonso tão inadmissível, que perdeu toda a admiração pela garota, e não creu que alguém alfabetizado pudesse ignorar tal coisa, se bem que não fosse coisa digna de tão elevada consideração. Obnubilado pela ignorância da menina, esqueceu os encantos, a beleza, os cookies e percebeu que não podia amar pessoa que não tivesse o que julgava a cultura de um civilizado. E, deixando-a chorando e malferida, retirou-se à preferida solidão.
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