A uma colega de trabalho disse Arthur Piano que estava naquela agência de marketing apenas para angariar experiência e logo montaria a própria. “Mas dizes isto, Arthur, desde que aqui cheguei há dois anos”, disse-lhe a garota. “Tem paciência”, tornava Arthur, “que alto voo está guardado para mim. Um pensamento gera um sentimento, que gera uma ação, que gera um resultado.” E disse-lhe enfim a amiga: “Não sei que pensamentos são esses que só te levam a falar e nunca a agir”.
Agastado na alma mas indiferente na fronte, por não confessar a culpa, deu de ombros e saiu. Foi ter a um café que ficava em frente da agência e aonde costumava ir durante os intervalos. Levava consigo um livro, por nome Pense e Enriqueça, e antes de o abrir pediu um expresso duplo, para ver se animava lê-lo. Enquanto não chegava o expresso, assistia a vídeos curtos e mui educativos. Sentia-se verdadeiramente crescendo em conhecimento e sabedoria assistindo aos videozinhos, que lhe ensinavam sobre buracos negros e o movimento dos astros e ainda sobre a maneira correta de guardar as meias. Em tão infinitas curiosidades se entretinha Arthur quando chegou o café. Antes porém de bebericá-lo, notou que adentrava o recinto um homem de aspecto curiosíssimo: era alto e corpulento, de cabelos brancos e amarrados em coque, tatuado por todo o corpo, óculos escuros espelhados e arredondados e colete cinza sobre camisa social branca com mangas dobradas, assaz moderno para um homem de meia-idade. Quando enfim, apesar da presença intrigante da figura, Arthur Piano pôs os olhos no livro para o ler, coisa que só de raro fazia, havendo cinco meses que comprara o livro e não se encontrava nem na metade, o mesmo homem o abordou dizendo:
“Praticas também a retenção seminal?”
“Pois não? Estás a falar comigo?”, disse Arthur Piano, mais intrigado ainda pela pergunta e atrevimento do senhor do que por sua aparência.
“Sim”, respondeu o homem. Possuía uma voz grave e serena.
“Perdão, não entendi o que o senhor falou”, disse Arthur.
“Perguntei se não praticas também a retenção seminal, de que muito bem fala e elogia o autor desse livro que tens em mãos e que consiste, numa palavra, em não ejacular”, tornou o homem.
“Não sei do que o senhor está falando.”
“Por certo não chegaste ao capítulo em que o refere, que fala da transmutação sexual.”
“Ah, não sabia que se tratava isso simplesmente de não ejacular”, disse Arthur.
“É mais fácil falar que fazer, asseguro-te.”
“Nem precisas mo assegurar, que isto... bem o sei...", disse Arthur. "O senhor a pratica?”
E com isto deram início a um diálogo que se alongou por trinta minutos e que foi deste para outros diversos tópicos dentro do universo do desenvolvimento pessoal, após o que Arthur teve de voltar ao trabalho, para que sua ausência não fosse sentida. Despediram-se, e antes de se ir soube Arthur que o homem se chamava Arnulfo Pompeu.
Voltou Arthur ao trabalho espantadíssimo dos conhecimentos de Arnulfo sobre desenvolvimento humano e alta performance, parecendo-lhe inclusive que Arnulfo não apenas dominava o assunto como atingira o pináculo de semelhante ciência, tal era sua confiança, energia e magnetismo. E o brevíssimo contato que teve com Arnulfo lhe causou tão forte impressão, que logo se viu querendo ser como ele e recriminou-se por ser tão indolente. No dia seguinte, à mesma hora, voltou ao café, na esperança de encontrar de novo o mestre. Por azar, chegou quando saía Pompeu, e, não conseguindo conter a agitação, lhe disse:
“Confesso, senhor Pompeu, que mal dormi essa noite, havendo em meu quarto uma luz fortíssima e uma assombração terrível: a luz era a esperança que teus conhecimentos me deram de ter uma vida conforme os meus anseios, naquela só meia hora de conversa que tivemos, imaginando eu quanto mais poder eu não obteria se te ouvisse por mais meia; e a assombração era a vergonha que me assolava de ser tão medíocre e inerte, levando a vida sempre esperando as coisas acontecerem, em vez de eu mesmo as pôr por obra.”
Isto ouviu Pompeu com muita atenção, e refletiu bastante antes de responder, tanto que Arthur se viu embaraçado e arrependeu-se de ter dado vazão a tão sincero arrazoamento. Pareceu mais longa a reflexão de Pompeu do que realmente foi, e por fim falou:
“A assombração, meu jovem, podes havê-la por morta e enterrada hoje mesmo, só as luzes é que se porão ainda mais fortes, se fizeres o que te direi.” E, isto dizendo, enfiou a mão no bolso e sacou uma pílula. “Toma esta pílula”, disse Pompeu, “que ela é o segredo do meu sucesso.”
“Que efeito tem?”, perguntou Arthur, de olhos arregalados e fixos no comprimido.
“Tu finalmente conseguirás tudo o que quiseres, todas as tuas crenças limitantes serão obliteradas, e crenças fortalecedoras serão postas no lugar. Tua vontade será forte, tuas decisões, resolutas, tua confiança, imóvel. Por poder desta pílula todo medo se extinguirá e tu te sentirás invencível, se bem que com mais tino e discernimento, contrariamente ao que fazem estimulantes ordinários, que se de um lado infundem poder, de outro desbaratam a cordura e a decência. Porás imediatamente em marcha qualquer projeto que lhe ocorra e lhe pareça digno de executar, sem demora alguma nem procrastinação, e passarás por cima de todo obstáculo, antes gostando de tê-los pelo caminho. Tu serás movido por uma energia de deuses, que em verdade já existe em ti, sendo este comprimido apenas o portal que a ela te dará acesso. Toma e não te preocupes. Agradece-me depois.”
Isto dizendo, entregou-lha Pompeu e, antes que Arthur tivesse tempo de falar e mesmo de pensar, entrou em um Mustang azul e partiu. Ficou Arthur Piano obstúpido de frente à cafeteria, e assim voltou ao trabalho e foi para casa e assim também permaneceu até o dia seguinte, quando finalmente tomou a misteriosa e nunca antes vista pílula.
*
Estava Arthur Piano diante da janela do escritório e esperava Pompeu ansioso. Não o vendo chegar à mesma hora dos dias anteriores, pensava se tomava a pílula ou se esperava mais. Não sabia o que veria do outro lado do portal e queira mais miúdas informações. Tinha medo. Passara a noite em claro elucubrando sobre os poderes que a pílula lhe prometia. Imaginou-se falando com Priscila, sua colega de trabalho, por quem era apaixonado, e com tamanha confiança representou-se na cena, que estava convencido de que a poderia comer no mesmo escritório. E essa ideia o assombrou. Imaginou-se pedindo contas do emprego e com suas parcas economias abrindo uma nova empresa. E imaginou que seriam doces os desafios, e que, ao invés de mortificá-lo, impulsioná-lo-iam. Viu-se potente e ascendendo, viu-se a participar de programas de entrevista na internet e viu mudada a sua voz e o seu semblante. Viu-se poderoso e rico. E nestes pensamentos esteve a noite toda.
Foi trabalhar com a pílula no bolso, ainda embebido naquelas imagens, nesse dia Pompeu não apareceu. Poderia ser que nunca mais o visse. Teve impulso de lançar janela afora a pílula, que poderia ser o princípio de sua desgraça, mas a reteve. Não sabia o que fazer. Foi falar com Priscila.
“Priscila”, disse-lhe quando a viu sozinha na sala ao lado, “preciso da tua ajuda.”
“Agora estou ocupada”, disse Priscila, sem dignar-se olhar para ele.
“Estou aflito, talvez esteja com uma grande oportunidade em mãos e não sei o que fazer.”
“Faze o que sempre fizeste:”, disse Priscila, “arruma uma desculpa e volta a ver teus videozinhos.”
Arthur recuou cabisbaixo e saiu da sala. Sentiu-se tão desolado, nem tanto pela resposta de Priscila quanto por sua desconsideração para com ele, que quis se atirar da janela. Era assim que uma mera estagiária o tratava, sendo ele até bem posicionado na empresa. Algumas vezes era ele quem lhe servia o café, e folgava a menina de ter tão prestimoso vassalo. Nunca chegou a lhe dar legítimas esperanças, porquanto não via nele nem homem para casar nem macho para acasalar. Tinha-lhe pena, e por isso não abusava da sua subserviência. Era nova e bela. Quando via um bom partido, portava-se como decente e pudica e fingia guardar-se. E quando com um mau elemento saía, cedo lhe emprestava. Assim procedia com o mau elemento por não temer desenvolver com ele laços de afeto e por não fazer caso de agradá-lo em se fazendo parecer pudica. Já com Arthur não sentia necessidade disso, por não querê-lo por modo algum, mas nem deixava de guardar certa afetação de pudor, por estar no trabalho. Não o queria afastar de todo, para não perder o vassalo, nem lhe dar uma unha a mais de atenção, para se não enfadar sobremodo. Empurrava-o e puxava-o. E agora acabara de o empurrar de novo.
Arthur trancou-se no seu escritório, e com grande e contida fúria lucubrava. Pensou: “Não me importo com o que me faça esta pílula, e estou disposto a morrer antes de passar por semelhante humilhação de novo!” E isto dizendo lançou garganta dentro o comprimido, em grandes e exagerados goles. De repente, sentiu um medo tão imenso que foi como tivera sido jogado numa jaula de leões. Arrependeu-se amargamente, mas não tinha volta. Estava tremendo e apavorado. Uma sensação de pânico começou a subir-lhe pela espinha e suas pernas perderam a força. Sentiu que ia desmaiar.
Continua...
A Pílula de Pompeu - Parte II será publicado no dia 1 de dezembro. Inscreva-se abaixo para ser notificado.
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