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Foto do escritorJoão Theodoro

Da natureza do Estado


Giovanni da Modena, "O Inferno" (detalhe), circa 1410.

O título deste ensaio é por demais soberbo para a sua singela e módica pretensão: que é mostrar em poucas palavras em que consiste o Estado e por que nada de bom se pode esperar dele. A ideia veio de ter visto tantos se convertem ao libertarianismo, ou terem começado a flertar com ele, depois dos últimos e trágicos sucessos: as enchentes no RS e o show da Madonna. O interessante é o contraste que esses dois acontecimentos formaram: enquanto uma cidade era engolida pelas águas, um espetáculo de satanismo e orgia ao vivo era patrocinado pelo governo. Uso os vocábulos governo e Estado aqui como sinônimos. Também sei que os governos das unidades da federação possuem administrações diferentes, mas lembrai que fazem parte do mesmo sistema, e assim os considero.


Quando, de um lado, a população viu um estado ser devastado por um desastre natural e o governo não só não ter feito nada para impedi-lo, mesmo tendo sido avisado, como ainda ter trabalhado para impedir a ajuda que vinha, e de outro lado viu que o mesmo Estado, em outra unidade da federação, ajudou a patrocinar um espetáculo de satanismo explícito, alguns começaram a perceber que havia algo de maligno nessa instituição.


A malignidade do Estado é tão óbvia que são precisos anos de doutrinação e lavagem cerebral dos colégios e universidades para fazer o indivíduo não percebê-lo e crer que o problema não é a instituição em si, mas os dirigentes do momento. E essa crença é tão forte que não basta a situação se manter e mesmo piorar com a troca dos dirigentes, que o cidadão continua acreditando que basta trocá-los por outros melhores ou menos piores na próxima eleição – uma mentalidade de putinha e de corno manso. E a ignorância é tão cega que o cidadão fica nisto até morrer, e assim seus filhos e netos e bisnetos.


A definição costumeira de Estado é monopólio territorial do uso da força, ou seja, o Estado é uma instituição que tem o direito de criar e aplicar normas. Em qualquer situação de conflito, é ele que diz quem está certo ou errado, inclusive nos conflitos envolvendo ele mesmo. Quem em sã consciência acredita que isso poderia dar certo? É óbvio que ele criará conflitos e decidirá em favor próprio. E é isso que sempre tem acontecido, com o consequente aumento do Estado.


O sociólogo alemão Franz Oppenheimer disse que há dois tipos de meios de se obter riqueza: o meio econômico e o meio político. O meio econômico se baseia em produção e troca. O político, em fraude e roubo. E em seguida ele definiu o Estado como “a organização dos meios políticos”.[1] Nas palavras de Murray Rothbard, o Estado:

 

[...] é a sistematização do processo predatório sobre um determinado território.  Pois o crime é, no máximo, esporádico e incerto; já o parasitismo é efêmero e a coerciva ligação parasítica pode ser cortada a qualquer momento por meio da resistência das vítimas.  O estado, no entanto, providencia um meio legal, ordeiro e sistemático para a depredação da propriedade privada; ele torna certa, segura e relativamente “pacífica” a vida da casta parasita na sociedade.[2]

 

O Estado é, portanto, um bando de criminosos altamente organizados. Essa constatação não parte de uma visão circunstancial: trata-se da natureza mesma da instituição. Ainda que o governo fosse encabeçado por anjos e arcanjos, e pelos seres dos mais altos círculos celestiais, ainda assim não passaria de “uma gangue de ladrões em larga escala”. O problema não é quem está no poder, o problema é o poder ser centralizado e monopolizado. Sob essa perspectiva, fica claro por que as coisas são como são, e nós finalmente podemos entender por que nada funciona e por que o Estado sempre cresce e a população fica a comer lama e a ser morta, roubada e arrombada.


Ora, não é do interesse do Estado o bem, nem a justiça, nem a verdade, mas tudo o que há de contrário a isso. O Estado quer aumentar os impostos e diminuir as liberdades, até aos píncaros do despotismo, até o dia em que o cidadão andará de quatro e comerá capim. É este o fim do Estado.


A solução é não conceder autoridade a ninguém, mas restituir o princípio da propriedade privada. A propriedade privada é o único direito possível e legítimo. Tudo que contradiz esse direito é roubo, é agressão, é usurpação, é fraude e é violência. Esse é o único princípio digno de um ser humano e de uma sociedade humana. A restituição desse princípio nos conduz à Ordem Natural.

 

Todavia, ao mesmo tempo – e ainda mais importante –, uma alternativa positiva para a monarquia a democracia – a ideia de uma ordem natural – deve ser delineada e compreendida. Por um lado, isso implica o reconhecimento de que a verdadeira fonte da civilização humana não se encontra na exploração (tanto na do governo monárquico quanto na do governo republicano-democrático), mas sim na propriedade privada, na produção e nas trocas voluntárias. Por outro lado, isso envolve o reconhecimento de um insight sociológico fundamental (o qual, aliás, também ajuda a identificar de modo preciso onde a oposição histórica à monarquia se equivocou): a manutenção e a preservação de uma economia baseada na propriedade privada e nas trocas voluntárias exigem, como pressuposto sociológico, a existência de uma elite natural voluntariamente reconhecida – uma nobilitas naturalis.[3]

 

Uma ordem natural é um sistema de organização social baseado na propriedade privada. As alternativas a isso são sociedades baseadas na escravidão. Não há meio-termo. Ou cada um manda em si, ou alguém (ou alguns) manda em todos. “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou assembleia de homens.”[4] Esta a insanidade que se quis justificar com a ficção delirante chamada “contrato social”, que é uma tese absurda, demoníaca e autocontraditória. Quem em sã consciência se dá como escravo a outrem de livre e espontânea vontade? Onde alguém fez isso sem estar louco ou sob gravíssima ameaça? Mas os juristas ensinam essa tese estando em pleno uso de suas faculdades mentais: o que revela a sua fundamental imbecilidade. Não digo que são desonestos, pois isso seria conceder que estão cientes do mal que advogam e que, portanto, têm inteligência suficiente para isso, o que seria uma assunção ridícula. Nem eles possuem o conhecimento da verdadeira doutrina ético-jurídica, nem a sofisticação intelectual para entendê-lo, nem ainda a capacidade moral de, em o reconhecendo, assumi-lo. Não passam, portanto, de dispendiosos e soberbos papagaios.


A solução para o problema da ordem social não é conceder a “um homem, ou assembleia de homens” o poder de legislar e tributar. A solução é consagrar a instituição da propriedade privada como o princípio universal. É isso ou viver como um escravo. Não interessa se o Estado usa o dinheiro roubado (“arrecadado”, eles dizem) para construir colégios, reformar hospitais ou patrocinar o show de uma puta. O problema não reside em como o dinheiro é gasto, mas em como é obtido. Se o dinheiro é obtido por meio de roubo (o meio político), então ele já está amaldiçoado e o mal já foi feito. A estrutura de demanda da sociedade foi distorcida. Uma utilidade social menor será a consequência necessária.

 

Portanto, concluímos que nunca nenhuma interferência do governo com as trocas pode aumentar a utilidade social. Mas podemos dizer mais do que isso. É a essência do governo que somente ele obtenha seus rendimentos pela cobrança compulsória de impostos. Todos seus gastos e atos subsequentes, qualquer que seja sua natureza, baseiam-se no poder de taxação. Acabamos de ver que sempre que o governo força alguém a realizar uma troca que ele não realizaria, esta pessoa perde em utilidade como resultado da coerção. Mas o imposto é exatamente uma troca coercitiva como esta. Se todo mundo fosse pagar exatamente o mesmo ao governo sob um sistema de pagamento voluntário, então não haveria necessidade para a compulsão dos impostos. Devido ao fato de que coerção é usada nos impostos, e uma vez que todas as ações do governo baseiam-se no poder de taxação, consequentemente deduzimos que: absolutamente nenhum ato do governo pode aumentar a utilidade social.[5]

 

Para alguns, é necessário um desastre, uma calamidade de proporções inauditas para que esta lição óbvia seja aprendida: que não se deve dar “a um homem, ou assembleia de homens” o poder de governar. Mas uma única lei moral e uma única lei econômica já seriam suficientes para se concluir isso. A lei econômica é a superioridade do sistema de livre competição sobre o sistema monopolístico. E a lei moral, o “Não furtarás”. Opor-se moralmente ao roubo e apoiar a existência do Estado é uma dissonância cognitiva insolúvel.


É preciso portanto acabar com o Estado hoje, e defender isso com o mesmo radicalismo com que os abolicionistas do século XIX queriam acabar com a escravidão não dali a um mês, nem mesmo no dia seguinte, mas imediatamente. Se essa ideia é grandiosa demais para quem não sabe existir sem ser governado por um barrigudo comedor de puta e cheirador de cocaína, a solução é a secessão. O divórcio não é um instituto defendido hoje em qualquer caso? Ora, a secessão é o divórcio dos povos. Se não sabeis viver sem serdes escravos e sem que alguém vos mande e domine, é a vossa escolha. Mas não nos leveis convosco nesta insânia. Nós, homens livres, demandamos a secessão!


 

[1] Murray Rothbard, A anatomia do Estado.

[2] Idem.

[3] Hans-Hermann Hoppe, Democracia, o Deus que Falhou.

[4] Thomas Hobbes, Leviatã.

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