Assistindo a um seriado que um amigo me indicou, chamado 1899, um nome aliás bonito de ler e ruim de dizer, cuja história se passa nos conveses e partes mais íntimas de um navio, vi que quis o diretor realçar o elemento da desigualdade social ali presente, e lembrei que se tem dado demasiada importância a semelhante fato, como se não fora coisa tão natural.
Quando o diretor faz pular a cena, de uma cheia de opulência e opíparos banquetes, a outra farta de miséria, quer assim destacar a diferença social aparentemente sem motivo que ali, como em todo o mundo civilizado, se observa, induzindo por dolo ou culpa o espectador ignorante a acreditar que tamanha disparidade de condições é uma injustiça perpetrada e conservada pelos mais ricos em detrimento dos mais pobres. E fazendo crer, junto com a falsa doutrina econômica que se ensina nas escolas e nas universidades, que tal estado de coisas só pode se originar da exploração destes por aqueles, e da injusta distribuição da riqueza. Mas esse modo de olhar as coisas é traiçoeiro, e nos faz sorrir a uma teoria espúria e cheia de veneno.
Quero aqui corrigir os erros contidos nesse pensamento, dizendo a verdade sobre de onde surge a pobreza, a riqueza e a desigualdade.
O primeiro ponto a ser comentado é que a pobreza não é o efeito de ação alguma do homem, mas o seu estado natural e original. O homem nasce nu e pobre – e até muitas vezes endividado, quando extrapola o governo os limites das contas. Desse modo, não há nenhuma “causa da pobreza” a ser investigada, como se diz por aí, mas sim as causas da abundância e da riqueza, coisas essas sim extraordinárias.
Não é possível entender de onde vem a riqueza sem antes saber o que seja tal coisa. Assim penso com bastante justiça defini-la: riqueza é o conjunto de bens. Contudo, o que vem a ser um bem? Bem é tudo aquilo a que se atribui valor: um carro, uma cadeira, um relógio, um elogio, uma viagem, um momento de comunhão, uma memória de infância, enfim, tudo aquilo que alguém valoriza. Dado, porém, que cada homem valoriza diferentemente cada coisa, e até o mesmo homem às mesmas coisas atribui valores diferentes em diferentes tempos, tem-se que valor é subjetivo. É assim que o que para uns vale muito e tem valor inestimável, para outros não vale nem um virar de pescoço para fitar a coisa. Riqueza carrega, portanto, o seu bocado de subjetividade.
E como ela surge? Ora, somente por meio de três operações é que a riqueza se pode formar: por apropriação, produção e contratação.
Pela primeira, apropria-se algo antes sem dono e sem uso, obtendo-se valor. Pela segunda, transforma-se algo de valor em algo de valor maior. E pela terceira efetua-se uma troca, em que cada indivíduo dá ao outro coisa que considera de menor valor do que aquilo que está a receber, ambos tornando-se, segundo sua própria avaliação subjetiva, mais ricos. Mas a história da riqueza não para aí. Vejamos agora, bem resumidamente, como surge o acúmulo de capital.
A primeira coisa que precisa acontecer para que riqueza comece a ser produzida é o trabalho, ou atividade produtiva. Mas, se o homem produzir somente para o seu sustento, ele não progredirá: todos os dias ele precisará novamente trabalhar para comer. Só há uma forma de sair desse ciclo: trabalhar e poupar. Poupar significa não consumir, o que envolve um sacrifício. Após ter certa quantidade de riqueza poupada, ele poderá finalmente investir, e o produto do seu investimento será uma produção maior de riqueza do que a precedente. Mas como isso acontece na prática?
Se o sujeito gastar todos os meses o fruto do seu trabalho, sem nada conservar, ao cabo uma vida inteira nada terá construído para si ou para sua geração. Contudo, se, agindo com parcimônia e inteligência, guardar uma parte dos seus rendimentos, ainda que apoucados, um dia poderá investir esse acúmulo de riqueza em um curso, uma terra ou uma ideia qualquer que lhe incremente o fruto dos esforços. Nada disso, obviamente, é certo, pois ele pode incorrer em um investimento ruim. Mas não há outro modo concebível de multiplicar riqueza, vez que o roubo é subtraí-la e o herdar, adicioná-la.
Suponha agora que esse homem que trabalhou, poupou e investiu continue a fazer isso com algum sucesso. Não é certo que, no espaço de alguns anos, construirá pelo menos uma pequena fortuna? E não é certo também que será abençoada a sua progênie, que já nascerá em seio de muito maior abundância do que gozaram seus pais e avós? Ora, é assim que se forma a tal desigualdade social que alguns tanto odeiam: pela desigual distribuição geográfica dos recursos naturais e a desigual distribuição de inteligência e talentos na humanidade. Quem poderá ir contra tal força que avulta a diferença natural entre os homens senão a inveja? E quem poderá obstá-la senão um poder tirânico?
Dir-me-á algum leitor que os conluios entre os grandes poderes do capitalismo intensificam, senão mesmo criam, as diferenças sociais. É verdade que a desigualdade aumenta de muito quando um poder econômico se une a um poder político para impedir que o mercado se mantenha em seu curso natural. Mas perceba que esse conluio só pode ser anticapitalista, vez que se baseia na força, e não no contrato, assim como aspira ao monopólio, e não à livre concorrência. Tais forças são, por conseguinte, anticapitalistas e monopolizantes.
O capitalismo, em sua acepção austríaca do termo (i.e., segundo a Escola Austríaca de Economia), não comporta monopólios sob nenhuma hipótese. Segundo Walter Block em seu artigo sobre o assunto, a única definição possível de monopólio é a proibição legal de entrar em determinado mercado. Não havendo tal proibição de entrada, não existe monopólio, ainda que o bem em questão seja produzido por um único produtor.
Assim, a briga contra a desigualdade social só pode ser, como diria Murray Rothbard, uma “revolta contra a natureza”, em que sempre haverá os superiores e os inferiores (não que isso possa ser medido em valores monetários). E nada poderia estimular mais os avanços do Governo sobre a nossa riqueza do que o desejo latente das massas de roubar e arruinar aqueles que, por qualquer motivo, se destacam.
Há ainda uma contradição insolúvel na tese daqueles que odeiam a desigualdade social: é que, para se resolver esse pseudoproblema, ter-se-ia de criar a maior e mais hedionda desigualdade social que pode existir: a divisão da sociedade em Senhores – aqueles que definirão o que é desigualdade e como ela deverá ser combatida – e Escravos – aqueles que obedecerão aos Senhores. Já que, sem o uso da força, o processo natural do mercado leva alguns a possuírem mais que outros, a única maneira de combater isso é pela violência agressiva, criando-se um grupo de espoliadores (Estado) contra o resto de espoliados (súditos). A mais evidente consequência disso é o desestímulo à produção e a resultante permanência da população na pobreza.
O que deveriam amar, então, aqueles que odeiam a desigualdade social? Se eles desejam um mundo, não com igualdade de riquezas, para regozijo dos invejosos, mas com enriquecimento constante e constante elevação do padrão de vida de seus irmãos, amem então a propriedade privada, única instituição que protege e estimula a riqueza. Ora, que incentivo teria o homem para produzir, se soubesse que o seu suor escorreria em vão, indo parar nas mãos do governo o que produziu? E, pelo contrário, quão estimulado não estaria esse mesmo homem a enriquecer, se soubesse que todo o fruto do seu trabalho se conservaria com ele e sua família? Que parece ao leitor semelhante raciocínio? A mim me parece tão simples, que não poderia acreditar se afastaria dele a razão sem grande equívoco.
O capitalismo – isto é, o sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção e no contrato – não é perfeito, e é até mesmo imundo e nojento, porque é imperfeito, imundo e nojento o homem, e não porque assim o seja esse sistema, que nada mais prega senão o dispor cada um do que lhe pertence.
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