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Foto do escritorJoão Theodoro

Do debate entre Fernando Chiocca e Marcos Cintra acerca dos impostos


John William Waterhouse, "Pandora", 1896.
John William Waterhouse, "Pandora", 1896.

Recebi por esses dias um link que se intitulava Debate: Imposto Único x Imposto Inexistente e o qual era a transcrição de um debate havido no X entre Fernando Chiocca e Marcos Cintra, um defendendo a ausência dos impostos, o outro, o imposto único. Fernando Chiocca é um querido companheiro ideológico, abolicionista, como eu. Marcos Cintra, um socialista. Não me exprimo assim por vituperar o homem, quero dizer, mudando-se o nome e o endereço, e ficando-se só com o discurso, não muda muita coisa entre um socialista e outro. Até no modo de escrever que empregam são parecidos. Então, por brevidade, “um socialista” basta e o temos suficientemente bem pintado. Mas o nome desse era Marcos Cintra.


Não me importa em absoluto quem seja ou haja sido, mas, por desenfado – estava zapeando no celular após comer um lanche –, digitei seu nome no Google e vi que era ex-deputado e ancião. Vai bem conservado.


Parece que se declara um liberal. Ora, um homem não pode hoje declarar-se mulher e ainda animal quadrúpede, se bem entender? Por que então não pode um socialista, um defensor da saúde pública, da educação pública e da justiça pública, se declarar um animal bípede, a saber, um liberal? Nem vejo tanta distância assim entre este e um socialista puro-sangue como de um homem para uma mulher. Diferença de grau, não de espécie. Cintra pensou, ao lançar o desafio do debate, que o primeiro da fila seria alguém da esquerda. Ou seja, pensou que seria um debate entre amigos. Alfim esteve contente em receber o Chiocca. E foi muito educado, inobstante a intensidade do opositor.


Antes de comentar alguns argumentos a favor dos impostos levantados por Cintra, lembremos que posto que é conjunção concessiva, não causal, de modo que a frase “Desta maneira há um desincentivo para o financiamento privado posto que os beneficiados não contribuem para o seu financiamento” representa um erro de economia como também de sintaxe. Da sintaxe remove-se o solecismo; da economia, o socialismo. Assim vão bem a língua e os falantes.


Cintra, como todo socialista, é um amante de folclores e ficções: já estão aí a quase se apresentar à Terra os extraterrestres, mas ainda ninguém nunca viu esse tal de “contrato social” de que tanto se fala. Que vem a ser afinal um contrato? Ou bem me engano, ou um contrato é uma vontade manifesta. Ora, esse “contrato social” de que falavam Hobbes, Locke e Rousseau não é nem vontade, nem manifesta. A minha vontade certamente não vai ali. Mas o Cintra garante-nos que ali vão a minha, a vossa e ainda a de quem está por nascer, “em variáveis graus de diferença”. Eu entendo o que ele quer dizer – vá lá, tenhamos boa vontade –: é que um governo só se sustenta com o consentimento da maioria – que vai da aceitação resignada ao apoio entusiástico. Isto é ponto pacífico na Filosofia Política. Mas daí para falar em contrato...


Na mitologia do Contrato Social encontram-se também os chamados Bens Públicos, aqueles bens ou serviços que não podem ser ofertados sem que pessoas que não pagam por eles também se beneficiem. Por exemplo: se eu coloco um vigia na rua, o meu vizinho, que não pagou por ele, leva vantagem. Se contrato um corpo de bombeiros e apago-lhe o incêndio da casa para que não emende na minha, idem. Nesse caso, dizem os socialistas que as pessoas iriam preferir viver sem vigias, sem bombeiros, sem polícia, sem faróis, tudo para não favorecer alguém que não pagou por eles. Recentemente comprei um perfume; aroma árabe, sensual, lá das terras de Jalin Habei. Estava pensando em cobrar taxa a quem se aproximar e sentir-lhe o aroma de maneira não rival.[1] Pagar para que outros sintam olores agradáveis! Na mitologia, assim como Atena nasceu da cabeça de Zeus, o Monopólio Natural nasceu do cu do Bem Público. E, assim como a guerreira, ele nasceu armado. Um monopólio é, por definição, um privilégio de exclusividade baseado na força: o epíteto “natural” é adição da mitologia. Nunca antes se viu um monopólio que não fosse armado.[2]


Essa rica mitologia não é o produto imaginoso de povos antigos. Não senhor. É atual e viva, e consubstancia a maior religião do mundo: o estatismo, que, sim senhor, tem sacerdotes, livro e fiéis. Os sacerdotes são os agentes públicos, o livro, a Constituição, e os fiéis, os contribuintes, em graus variáveis de devoção. É coisa organizada e antiga, e tão transcendente que une sob si judeus, cristãos, islâmicos, budistas, hindus e ateus. Uma metarreligião! Um dos seus dogmas é o imposto. Imposto (ou, no linguajar técnico, o tributo) não é roubo, ainda que, segundo o Código Tributário Nacional, seja compulsório. É uma exegese peculiar, com efeito, uma filosofia profunda. Mas há divergência. Alguns dizem que imposto é roubo somente se a pessoa paga não querendo. Se a pessoa não se importa ou deseja pagar, não é. Matar um suicida, então, é jogar nas quatro linhas? Isso me lembra uma frase que ouvi certa vez de uma fogosa a seu amante: Meu bem, é impossível você me estuprar!


O debate foi proveitoso, entreteve-nos. O resultado foi o que esperávamos: um massacre. Nenhum demérito para o Cintra, visto que nem Tomás de Aquino triunfaria em semelhante tese. Pelejou bem o herói, manteve-se digno e fugiu de cabeça erguida. Espero que encontre um esquerdista para disputar, e vencer. Imposto é roubo. Já sabíamos. Quando haveremos de discutir a Secessão?


 

[1] Devo esse exemplo ao 3H (Hans-Hermann Hoppe).

[2] Sobre isso, conferir “O mito do monopólio natural”, de Thomas DiLorenzo, e “Austrian Monopoly Theory – A Critique”, de Walter Block.

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