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Foto do escritorJoão Theodoro

Mãe de Pet é o Meu Saco


John Maler Collier, "Lilith", 1889.

Dentre as coisas mais idiotas que surgiram nos últimos anos – a saber, a ideia de “lugar de fala”, “linguagem neutra”, a ideia de que há múltiplos gêneros, a relativização do conceito de mulher e todos os outros paroxismos do “politicamente correto” – a menor de todas, isto é, a menos idiota, e da qual falarei aqui, é a ideia de “mãe de pet”, pela qual uma fêmea da espécie humana adota um animal como filho e o trata destarte, alcunhando-o de seu filho “bichológico”.


Escolhi falar da menos idiota dessas coisas porque as outras são tão imbecis, encontram-se tão distantes da órbita da razão e até da do bom senso, que falar delas seria como discutir com um louco e, por esse modo, descer ao seu nível. Eu me recuso – em verdade não vejo razão para tal – a colocar sequer em pauta disparates tão incomensuráveis e violências tão rudes à faculdade do entendimento humano. Porque, se o fizer, como o faz toda a turma que no Brasil se considera e alardeia como de direita, estarei não só discutindo com loucos, e fadado portanto a perder, como sobretudo corrompendo e degenerando a minha própria faculdade de pensar, a qual busco manter sempre longe de semelhantes impurezas. Que digo? De semelhantes imundícies.


Um dos problemas da direita – talvez o principal deles –, além da relativa improficiência no jogo político, é discutir os temas públicos conforme o gosto e os termos da esquerda. Com isso quero dizer que há sempre sido a esquerda quem tem definido os assuntos e o vocabulário do debate público. Termos como “racismo”, “qualquer-coisa-fobia”, “machismo”, “patriarcado”, “discurso de ódio”, “fascismo” e “democracia”, bastante vagos e imprecisos de propósito, são os signos que servem de matéria-prima e referência ao pensamento tanto da esquerda quanto, agora, da direita. E, quando se entra em um debate já se adotando o arcabouço conceitual do adversário, perde-se antes mesmo de ter começado. Porque um conceito aponta para uma realidade, e adotá-lo significa reconhecer que a coisa para a qual ele aponta existe. Quando, então, um sujeito de direita entra a debater sobre machismo e patriarcado, ainda que seja para negar que tais coisas existam, ele já admitiu que elas devem, em primeiro lugar, ser tomadas em consideração, sem nem mesmo haver para isso o concurso daquilo que é o ponto de partida de todo debate culto e de todo pensamento ordenado: uma definição precisa. Ao adotar esses conceitos, ele de certo modo os legitima. Por isso, aquele que consegue determinar os termos do debate nem precisa mais vencê-lo, porque já dominou a mente do adversário.


Assim, como não sou tão idiota, me recuso a sequer levar em consideração tais sandices. A ideia de “mãe de pet”, porém, não é tão absurda assim e é algo que pode acometer qualquer mulher mais ou menos carente e mais ou menos estúpida, o que se eu dissesse ser algo raro estaria mentindo.


Quando falo em “mães de pet”, não me refiro àquelas mulheres que cuidam bem de seus animais e lhes dão algum mimo. Não há nada de mais em tratar bem os nossos bichinhos. Refiro-me antes àquelas que extrapolam toda proporcionalidade e com efeito sentem-se mães de seus bichos. A estupidez chega a tamanho grau que não mais se chamam “donos” os donos de animais de estimação, e sim “tutores”, nome usado para designar indivíduos que cuidam de outros indivíduos. Por essa troca de conceitos, indica-se que os animais não são mais propriedades de seus donos, senão que subiram à dignidade de membros da família. Quando se tornarem elegíveis, certamente terão o meu voto, vez que espero menos cagadas de um cachorro do que de um político.


Conheço uma empresa que atua como cemitério de animais. Até aí tudo bem. Mas essa empresa oferece aos “tutores”, além dos serviços habituais de uma funerária, uma sala de homenagens e um cerimonial para o velório dos gatos e cães! Só falta rezar-se missa em latim. É claro que tais serviços só existem porque há demanda, e a demanda só existe em função de certa mentalidade. A minha crítica se dirige a essa mentalidade, não aos serviços da empresa nem a ela mesma.


Como os antigos estão sempre à nossa frente em tudo quanto diga respeito a prudência e não há absurdo no mundo do qual não se conheçam precedentes, sobre o ridículo desse comportamento já discorreu em 1524 o padre António de Guevara, e tão bem e ricamente, que eu faria melhor se suspendesse minha escrita e pusesse este labor em meramente transcrever suas palavras. Foi em uma epístola endereçada à sobrinha que ele tratou do tema, admoestando-a por ter caído doente e chorar tanto por motivo tão pequeno como a morte de sua cadelinha.


Nossa mãe Eva chorou por seu filho Abel, Jacob chorou por José, David chorou por Absalão, Ana chorou por Tobias, Jeremias chorou por Jerusalém, a Madalena chorou por seus pecados, S. Pedro chorou por sua renegação, e Cristo chorou por seu amigo Lázaro; e vós, senhora, pela morte de uma cadelinha, choro este que jamais de ninguém ouvi nem, ainda, em livro li.

Pois se tivesse nascido em nosso tempo, não só em livro teria lido e de alguém teria ouvido, como também em filme e série teria assistido. Mais à frente ele continua:


[...] como diz o divino Platão, tal é o que ama qual é aquilo a que ama. Como seja tão grande a força do amor, que do que ama e do que se ama se faz uma mesma coisa, tem-se por certo que, se amo coisa racional, me torno em racional, e, se amo algum bruto, me torno em bruto; do que podemos inferir que, como pusestes vosso amor numa cadela, assim poderemos, sem nenhuma culpa, dizer: Totó, totó.

Aqui o padre, mui acertada e jocosamente, nos lembra que somos como aquilo que amamos, e se colocamos o nosso amor em um animal, nos tornamos um animal. No entanto, como isso não pode acontecer literalmente, e ninguém de fato se transforma em uma criatura de outra espécie, o que nos fica da situação é o seu puro ridículo, oriundo da desproporcionalidade entre o tratamento e o objeto tratado.


A melhor peça do corpo é o coração e a melhor alfaia do coração é o amor; e se este não acerta a estar bem empregado, tenha-se o seu dono pelo homem mais desgraçado deste mundo: de maneira que não sabe bem viver quem não sabe bem amar.

Amar não é coisa de nonada. O nosso espírito se move para aquilo que amamos. De maneira que amar um cão só faz rebaixar aquele que o ama sem contudo enobrecer de modo algum o objeto amado. Desperdício maior de tão raro sentimento não pode haver. E, de fato, é preciso ser um espírito muito pobre para não ter nada melhor para amar do que um quadrúpede. Àqueles que dizem que o amor é matéria abundante e pode-se amar um cão sem deixar-se de amar outras coisas dignas, respondo que estão enganados, porque amor é atenção, e atenção é recurso escasso.


Há também aquelas que, embora não cuidando de seus animais como filhos próprios, apelidam-se igualmente “mães de pet”. Mas isso se deve à inclinação natural das mulheres para seguir modas. Esse comportamento tribal é conhecido e não tem relevância aqui.


Acredito que o fenômeno das “mães de pet”, sob o aspecto pelo qual o abordei, é uma das mediatas consequências do feminismo. Ao subverter as mentes das mulheres para pensarem que casar e ter filhos não é um bom negócio, o feminismo criou um grande número de mulheres que, priorizando a carreira profissional sobre o constituir família, reprimem seus instintos maternos e projetam-nos sobre seus animais de estimação, dos quais tratam como filhos. Isso até seria triste, se não fosse risível e patético.


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