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Foto do escritorJoão Theodoro

Zona de Conforto Não Existe

Atualizado: 9 de mar. de 2023


John William Godward, "Girl in Yellow Drapery", 1901.

O conceito de pecado é muito traiçoeiro. Na infância, a família e a igreja incutiram-no em sua cabeça para fazê-lo crer que certas condutas, palavras e até pensamentos são dignos da maior recriminação. Desejar uma mulher e comer demais são exemplos de pecados, condutas de fato inescapáveis para qualquer homem saudável. Já o privar-se de comer e fazer sexo – isso sim o comportamento de um doente mental – é tido como exemplo de virtude.


E no entanto, o que é pecado? É a infração de uma norma. Que norma? A que alguns homens inventaram em nome de Deus para poder controlar os outros. Inquirindo-se logicamente o conceito, conclui-se que nomeia coisa nenhuma, e que é vazio de sentido. No fundo, então, pecado não existe.

Mas com o declínio dos meios religiosos de controlar os outros, elegeram-se novos, de natureza secular, dos quais são exemplos o politicamente correto e as ofensas esquerdistas. Que é afinal o nome “machista” senão um chicote pelo qual se tenta amestrar os homens?


Tais conceitos são criados para vituperar as pessoas que se recusam a se enquadrar nas regras que os próprios criadores desses conceitos julgam dever se aplicar a todos. Assim, “homofóbico” não mais se aplica somente àqueles que têm medo ou aversão a homossexuais – conforme a acepção original da palavra – mas agora também aos que se referem a eles sem um toque especial (e falso) de carinho e consideração. Também o termo machista – que aliás sempre foi obscuro – ganhou mais larga abrangência, contemplando não só os homens ou mulheres que consideram estas inferiores àqueles, mas passando a incluir os homens a quem não muito apetecem mulheres peludas.


Para além da religião e da política, inventou-se mais modernamente o conceito de “zona de conforto”, para designar o quê? Um estado de coisas que alguém não deseja alterar. Ora, se a pessoa não muda uma situação por medo – que é quase sempre o caso –, então o problema é o medo, e não a zona de conforto. Se não a muda por preguiça ou apego demasiado, é porque talvez o esforço não valha mesmo a pena. Então qual é o problema?


O conceito de zona de conforto, que é irmão do de alta performance, é fruto de uma mentalidade derivada da Revolução Industrial e do espírito do capitalismo protestante, que enxerga o homem como uma máquina e exige dele a máxima produtividade. Aqueles que não se conformam a isso são considerados preguiçosos ou vagabundos. É preciso sempre estar “crescendo” e “sempre insatisfeito”, tomando-se por vício o contentamento e a ambição por virtude, e alardeando os exames da úlcera e a calvície precoce – tudo isso para chegar, evidentemente, a lugar nenhum e passar a vida inteira correndo atrás do próprio rabo, “em busca da felicidade”.


O interessante é que quem considera alguém na zona de conforto é geralmente uma segunda pessoa, a qual julga o primeiro sob a lente de seus próprios objetivos. Quando o sujeito se enxerga a si mesmo na zona de conforto, o faz somente com base em um parâmetro externo, já que, conforme o próprio nome diz, ele se encontra confortável na situação. Então por que mudar? Toda mudança visa a uma situação melhor. Se a ação necessária para a mudança é considerada mais custosa do que a permanência no estado atual, então a ação se torna inviável. Essa avaliação, porém, é feita com base na escala de valores do próprio indivíduo, a qual é subjetiva. O julgamento de que esse indivíduo se encontra na zona de conforto só pode vir de alguém cuja escala de valores é diferente e que em razão disso conclui que o outro deveria estar fazendo algo que não está. Dizer, portanto, que alguém se encontra na zona de conforto é tentar impor sobre ele os próprios valores.


E quando alguém de fato quer mudar, vive reclamando e não faz nada sobre isso?


Nesse caso, deve-se dar a ele a consciência de que está agindo exatamente como deseja e que, se não está mudando, é porque não quer. O problema é que, na grande maioria das vezes, o próprio sujeito não sabe o que motiva sua conduta. O modo padrão de as pessoas lidarem com os problemas é assistindo a Netflix, abarrotando-se de comida e de trabalho ou insistindo ainda mais naquilo que as está levando para o precipício. Quase nunca se lhes passa pela cabeça refletir sobre as causas internas da situação. E contudo, para a nossa surpresa, o sofrimento é sempre interno. É aí, então, que se deve trabalhar.


Somente a partir de uma consciência clara do que de fato está motivando a conduta é que o sujeito poderá decidir se permanece onde está ou se promove alguma mudança, e em que direção. Ainda assim, muitas vezes vai precisar de uma boa dose de coragem.



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